quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Há que se despertar

Há que ser muito raso
A ponto de crer que a fina camada
Que permite um dedo sentir o outro
No pinçar a pele
Seja motivo para depreciação,
Escravidão.
Marginalização.

Há que não se permitir mergulhar,
Nas profundezas do próprio sentir,
Para precisar sufocar alguém que ama
O que te ameaça a virilidade.

Há que ser muito ingrato,
Para não valorizar a árvore de todas as vidas,
A flor da pacificação.
O útero da humanidade.

Há que ser muito leviano,
Para banhar-se em privilégios e esbravejar
Contra o sertão, que raramente vê gota de água cair no chão.

Há que se ter esquecido o que é ser humano
Para pensar que a prosperidade deve chegar,
Independente do sangue que derramar,
Ou antes mesmo de terminar de secar,
O vermelho que está a manchar
A terra que se subverteu para explorar.

Há que ser, meu caro, muito desatento,
Para aqui nascer e não se comover
Com tudo que destrói a dignidade de um ser.
É como ter chance para crescer
Mas se enclausurar em vestes apertadas
Que não lhe permite tocar os céus
Mas que é difícil abandonar
Porque estar na moda traz um pequeno bem-estar.

Há que ser, no profundo, solitário
Para passar pela vida e não ter sentido as dores das gentes.
E um tanto quanto autoritário
Para convencer a si próprio das benesses inexistentes de seu ódio.

Há, por fim, que morrer
E novamente, um dia, nascer
Ao levantar as pálpebras e
De repente vislumbrar outra coloração
Num mundo que mudou de cor:
O pequeno virou amor!
E tanto se agigantou,
Que o comandante gritante
Se acovardou
Vendo que a máquina não respondia mais
A nenhum comando de rancor.
Migrou.

E migra sempre.
E paira sempre pela superfície da Terra.
Sempre a buscar
Um ser a quem possa dominar.
Lá entrar e colocá-lo a esbravejar.
Ironizar.
Satirizar.

A luta nessa esfera é individual.
Embora sempre se esparrame no social.
Enquanto isso,
Os que domaram seus próprios leões
Continuam a caminhar
Como a lastrear
A luz “Cidez”
Que clareia
A vida que acontece.

Enquanto passado e futuro tentam se conciliar,
O presente está a julgar
Cada esforço para se autoconscientizar.
E a perguntar:
Como foi seu próprio julgamento hoje?
Amanhã será um novo dia
E uma nova barreira para superar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Flores e Livros



“Obrigada, meu pai! Obrigada, minha mãe”, ela disse:
Por enfeitarem meu lar com flores
E livros que me ensinaram a amar.
Sem me forçar,
Mas sempre a me lembrar,
Que nas prateleiras
Estavam tesouros que dinheiro algum
Jamais poderia inteiramente comprar.
Como “quem não quer nada”,
Estavam lá:
As flores a encantar,
Os livros a chamar.
Na minha imatura idade, o engatinhar.
A cegueira tentando se instalar,
Não encontrou sementes semelhantes para, de fato, germinar.
Ou espaço onde pudesse se enraizar.
Já que o solo foi regado com a nobreza
Daqueles que lutavam para superar as mazelas das próprias pequenezas,
Pois que sabiam que todo mundo algumas - ou muitas - carregam,
Mas que o novo não merecia nascer já maculado por elas.
Um dia,
As flores começaram a me falar.
Os livros, a se realçar nas velhas estantes.
Foi quando comecei a nascer
Para as responsabilidades que é aqui estar.
Não é fácil lutar
Contra a preguiça de despertar
Todos os dias cada dia mais.
É, no entanto, compensador
Encontrar amor neste perambular.
Entre cegos e feridos,
Sem cansar,
Sempre a buscar,
Alcançar e semear.
Esvair pequenezas,
Superar preconceitos,
Construir-se ético.
E toda vez que o novo estiver para nascer
Possibilitar-lhe o início imaculado.
Que chegue com vivacidade lídima
Para vencer as lamas inerentes a todo caminho.
Flores e livros podem trazer-lhe um frescor,
Que armas e fogo a séculos de distância
Não conseguem sequer deixar de sujar;
Quanto mais, possibilitar.
Foram flores e livros!
Ou livros-flores.
E todas as obras daqueles
Que ouviam o canto
Da semente de amor que queria
Desabrochar.