quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

"Saia da casca do ovo", ele disse.


Um dia meu pai me disse que era preciso "sair da casca do ovo". Abracei o recado, sem dar muita importância devido à imaturidade da época. Outro dia ele repetiu isso. E repetiu outra vez. E outra. Ele não dizia isso só para mim. Ele é educador, dizia para o filho dos outros e eu estava ouvindo também. Fiquei com isso na cabeça.

Fui para a faculdade. Cinco anos incríveis de conhecimento (e autoconhecimento) se passaram. E todo ano eu me perguntava onde eu estava? Dentro ou fora do ovo?
Eu achava que sair de lá era ser independente. Não era só isso.

Fui morar em outro país sozinha. Após alguns meses, em complemento à jornada que iniciei na faculdade, comecei a entender.

A casca do ovo consiste na nossa percepção do mundo. Cada um tem a sua, baseada em suas vivências. Sair da casca é olhar a vida de outra perspectiva. É sair de uma casca para, talvez, entrar em outra. É o autoconhecimento e a expansão do olhar. Isso porque a tal casca de ovo, sobre a qual meu pai me alertou, é a aglomeração de nossos medos e inseguranças, mas, sobretudo, o que faz a junção desses elementos e formação da rigidez deste envoltório é a ignorância e o conforto que se sente com aquilo que desconhece. É medo, preconceito e julgamento parcial.

Não é fácil sair de lá. É basicamente um autoatentado. Lutar contra nós mesmos. Contra aquilo que a nossa mente, e seu instinto protetor, um dia achou importante relevar, sobressaltar, preservar, solidificar. Contudo, mesmo sem entender muito bem “porquê” deveria fazer isso, confiei no conselho de meu pai e comecei a martelar minha casca.
Quando se olha para fora percebemos que o mundo só é grande de tamanho. Que as pessoas são iguais em todos os lugares e que é diferente ler isso de perceber isso com os próprios olhos, ouvidos e emoções. É que na verdade as pessoas parecem ser muito diferentes umas das outras quando você não as compreende. E a cultura que as distingue é um fator bloqueador dessa compreensão. Por óbvio, cada um com suas particularidades físicas e emocionais são seres únicos, mas as particularidades são detalhes. Não me refiro a elas. Emergir na cultura alheia, ou ao menos não resistir a ela, abre a porta para se conectar com aquele que “vive em outro mundo”. É o início da empatia. E a casca do ovo é um fator limitante de empatia, pois limita-nos a somente senti-la com aqueles que compartilham das mesmas ou semelhantes dores e inseguranças no material compositor da casca.

Então, quando olhei pela primeira vez fora da minha casquinha eu entendi verdadeiramente a importância da luta pela preservação dos direitos, coisa que em cinco anos na faculdade de direito eu fui preparada para compreender, mas não compreendi de fato. Entendi que sair do conforto e proteção que o desconhecimento, ou ilusão de conhecimento, nos proporciona é entender que o mundo precisa de pessoas empáticas, e conscientes de que a vida aqui é em sociedade, liderando as relações políticas e influenciando os demais a seguir o mesmo caminho. Por quê? Porque no final só há duas finalidades para a casca do ovo: secar ou adubar. Nesta segunda é que ela irá renascer sempre e sempre no fortalecimento da ideia de progresso.

Letícia Marcati, 27 de setembro de 2016.

Nenhum comentário:

Postar um comentário