quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A culpa do estupro coletivo

“Adolescente é vítima de estupro coletivo no Rio de Janeiro”.

Sem exageros, ou dramatização, esse é o reflexo, em letras garrafais, do que estamos cultuando.

Simples: é o ponto em que chegamos.

Para abordar o mínimo, é (e deve ser!): triste. Nefasto. Inaceitável. Calamitoso. Tóxico. Alarmante.

Certamente é fruto de uma cultura sexista, racista, classista, limitada em humanidade e progresso, limitante de direitos! Sociedade intolerante com o banal - sexo, cor, raça, posição social, mas tolerante com potenciais atitudes de lesa-humanidade. 

Não há que se ter sensibilidade apurada para se horrorizar com o fato de uma menor ser drogada, estuprada por trinta (ou mais) homens, humilhada no íntimo - pelo ato em si - e publicamente - pelas gravações de vídeos e imagens enfatizando seus órgãos sexuais sangrando, acompanhada de legendas que demonstram a banalidade do ato na nossa sociedade. As atrocidades desse crime, em específico, são gritantes (e ainda assim temos o desprazer de presenciar observações acerca de seu “comportamento de vítima”, afinal, é mulher, pobre, mora na favela, vítima perfeita da cultura intolerante, classista, opressiva). Difícil, mesmo, é perceber o sexismo nas sutilezas diárias, pois sim, com pesar sua frequência o tornou sutil: nas sutis agressões verbais e gestuais; na - não tão - sutil diferença comportamental; na aceitação da diferença salarial e na de promoção de oportunidades; na ausência de mulher nos Ministérios; dentre tantas muitas outras. 

Nunca houve um bom momento para a marginalização de quem quer que fosse. Portanto, este também não é! Sobretudo, o palco político é o menos adequado para ensaios sexistas, racistas, homofóbicos.

A culpa do estupro coletivo é de todos aqueles que diretamente participaram do ato atroz. Aqueles trinta e poucos que não só não interromperam, como cometeram. Por outro lado, a culpa de uma sociedade intolerante, preconceituosa e sem escrúpulos é de todos nós. Não é só a corrupção que nos corrói. Não é só a isso que temos que rebater. A corrupção necrosa a sociedade. A intolerância, hostilidade, opressão com o outro, além de também devastar o meio social, nos abrevia como humanos.

Letícia Marcati, 29 de maio de 2016.

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