terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O canto da criança

Grotto Azzurro, Amalfi, Itália. Julho, 2017.


E de repente eu estava ali, crescida, pronta por fora, dependente só das minhas vontades, que me puxavam, com um canto hipnotizante, para o outro lado do mar. De repente, estava eu do lado de lá, olhando para o lado de cá e pensando “quanto mar!”. Foi assim, bem de repente, que eu era menina e era mulher, num só instante de contemplação. Integrando aquilo que descobri ser a minha canção. Segundos infinitos...Quando alcancei a minha menina e ela sossegou na eternidade daquele momento. Mas, moleca, correu. Pois, corre assim: de repente. E canta, não chama. E sempre “lá vou eu!”. Andar um monte, despir-me do que tampa meus ouvidos, para encontrá-la quando ela achar que estou capaz. E em silêncio cantarmos juntas qualquer momento que se faça eterno. Pois é quando a gente se encontra com nosso passado e o nosso presente, sendo tudo o que queríamos ser, por um segundo imenso, que morremos (para o raso) e nascemos (para o novo). De novo. E sempre.
A plenitude tem esse momento ápice importantíssimo. Quando a menina sossega. Te abençoa com um instante de certeza. E te fala: “Olha! Tudo vale a pena!”.

Letícia Marcati.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Queridos habitantes da Terra,

Queridos habitantes da Terra providos de razão, vocês estão falhando!
São, de fato, impressionantemente habilidosos. De uma espécie animal em balanço com as demais, evoluíram ao ponto de sozinhos se espalharem e povoarem o mundo inteiro! Eu sei que foi difícil e demorou, mas suas habilidades de raciocínio e senso de sociedade os possibilitaram enfrentar as adversidades, amedrontar animais volumosos e conquistar o mundo! Vocês conquistaram o mundo! Modelaram sociedades que lhes parecem complexas e brilhantes, porém que todos os dias se empenham em reafirmar o ego de uns poucos e cuspir na cara de outros muitos. Construíram algo tão magnificamente peculiar que lhes permitem esquecerem-se do que são e de onde estão.
Queridos habitantes pensantes da Terra, vocês são só mais um animal!
O que pensariam dos leões se esses saíssem da Savana comendo todos os animais que eles vissem pela frente? Seria um tanto monstruoso, não? Queridos humanos, com todo respeito, é o que fazem, com luvas de pelica, há milhares de anos. É por isso que são tantos e tão temidos no Reino Animal. Já repararam como os seres selvagens vos olham? Eles não gostam de vocês. Pois são, e acredito que de fato são, ameaça.
No entanto, por mais habilidosos que sejam, qual será o fim disso? Querem reinar sozinhos um mundo devastado? Eu sei, a sua geração não viverá para ver isso! Talvez assinar um decreto extinguindo a Reserva Nacional de Cobre e Associados irá trazer benefícios econômicos para uns. Os mesmos que não estarão aqui para assistir ao show não poder continuar. Por que não, então?
Queridos habitantes intelectuais, estão falhando porque não sabem usar vossas habilidades racionais imaculadas de avareza. Por não estarem comprometidos com sua existência no mundo, que é tão mais além do que gerar dinheiro e conforto próprio. O problema não é o dinheiro, é o caminho escolhido para colhê-lo. O problema é a falta de senso de coletividade em um mundo que construíram para funcionar em sociedade.
Queridos habitantes, é tão difícil enxergar que essa Terra não vai sobreviver banhada a concreto? Vocês também não. Ela vem primeiro. Essa é a ordem!
Queridos habitantes de sorte, e se fosse vocês que precisassem andar sete, ou dez, ou mais quilômetros para buscar água suja para poderem beber? O que achariam daqueles que abrem a torneira para cantar e relaxar?
Queridos privilegiados, são vocês que têm saúde, instrução, poder para dizer não e para construir uma nova concepção. Não desperdicem essa capacidade pensante em uma existência medíocre ou, menos ainda, daninha. Usem-na para entender que individualmente teriam morrido no primeiro passo à povoação da Terra. Ora, se é em sociedade que conseguem ser fortes, honrem isso todos os dias. Enxerguem as outras pessoas e o solo sobre o qual todos andam. Não destruam ou permitam destruir ainda mais a natureza. Do contrário, honrem aquela que vos permitiu pensar, evoluir e conquistar o mundo, fazendo isso do jeito certo. Sejam como as árvores, que se agigantam e permitem a vida dos pequenos animais que cercam os seus pés.
Por sorte, a vida não para na sua existência. É de bom tom deixar a casa limpa antes dos novos moradores entrarem.

Assinado por aqueles inaudíveis à vossa linguagem.

#todospelaamazonia

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Eu estou falando de terrorismo


O ódio é um poderoso inconsistente. É como a bomba (coincidência ou não) que explode, injuria e morre. Não perdura, não renasce, é minoria. Às vezes, um ódio se esbarra em outro. Se sentem fortes. Às vezes, de fato ficam mais fortes. Causam o mal e se esvaem. O ápice do ódio é o seu fim. É quando se expõe - ao máximo - que morre.
Não, a gente não espalha ódio. No máximo, se incentiva quem já o sente a ter coragem para exprimi-lo. Conquanto, não acredito no renascimento do ódio.
O ódio é pessoal. É particular de cada vivência, experiência, essência. É personalíssimo. Essa é a minha opinião. Todos sabem o que o ódio é, mas cada um tem a sua própria fonte geradora. 
Já o amor, universal, se compartilha pelo olhar, se planta e colhe no ar, não se esgota, não morre. Renasce sempre e sempre. É infinito, acolhedor e muda os ventos, cores e cheiros do mundo.
Veja-se, quando o ódio explode, esgotando-se enfim, em uma medida imensamente maior que aquela em que ele compromete outras pessoas a senti-lo, ele instantaneamente provoca compaixão aos por ele vitimados. Compaixão é a dor que sente o amor. É amor. Vira amor, pois.
É por isso que não temos o que temer, o ódio passou pela história, mas ele nunca criou raiz. Já o amor, enraizado até o núcleo do mundo, nunca nos abandonou.
Isso não significa assistir complacente, mas agir com fé e amor. Fazer passar.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Sangue Nostro!


Cresci em uma família italiana que há mais de cem anos mora no Brasil.
Cresci vendo meu avô tomar vinho, como que quem toma porções líquidas de vida, todos os dias.
Cresci com um pé de uva no terraço da casa dele, algo extraordinário para uma casa no centro da cidade, e com a minha avó acentuando o “r” enquanto tornava os domingos um ritual de família em que a homenageada era a boa comida.
Cresci ouvindo Gianni Morandi, Nico Fidenco, Rita Pavone, Lucio Dalla e Laura Pausini na sala de casa. Dormindo em reuniões da instituição italiana da qual meu pai fazia parte, assistindo “RAI”, perdendo meus pais algumas vezes para a Itália, recebendo um doce casal de “amici italiani” em casa e esperando pelo queijo parmesão que eles sempre traziam!
Vivenciei essas experiências de forma natural e espontânea, sem notar elas se enraizarem em mim.
Em setembro passado visitei a Itália pela primeira vez, fui recebida de braços e coração aberto por uma doce e amável família. Nessa oportunidade, vivendo o cotidiano italiano, eu entendi o significado daquelas raízes. Reconheci os meus. Mais que isso: eu os compreendi. E os vi em mim.
É bonito enxergar a força da tradição cultural, que não se rompe nem após cem anos de fluência do sangue fora do seu país de origem. É bonito se encontrar, se reconhecer e deixar-se acolher.
Não é só uma questão de sangue, talvez esse seja o ponto minoritário. É uma questão de entender a sua construção e, daí, entender a dos outros!
A importância da preservação das tradições culturais está em contar para você a sua história. Permitir o autoconhecimento. Está em contar a sua história para o mundo. Solidificar todas as existências que o trouxe aqui, onde a vida ainda flui. Possibilita olhar para si e enxergar o mundo todo. Daí, nasce a empatia que faz mais milagres que o moralmente e obrigacional respeito. E isso é mais que belo, é poético! Afinal, nenhum povo toca o mundo sozinho.
E, veja, eu nasci no Brasil cercada das tradições dos meus familiares italianos, com amigos de família alemã, portuguesa, espanhola, africana e indígena, também cercados cada qual com suas ricas tradições. Crescemos todos no mesmo solo e o Brasil continua Brasil! Permanece com sua identidade própria. Apenas ganhou mais graça, histórias e diversidade. Continua uno, pleno, autônomo!
Que sorte a minha que a terra das palmeiras acolheu os meus imigrantes. Sou afortunada por dividir minhas raízes com aqueles que abraçaram-na.

Se o meu sangue atravessou o mar e continuou a fluir em outro continente, foi porque nos deixaram entrar.

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Meu avô em visita à casa em que seu pai morou antes de embarcar para o Brasil, em Brugine, Padova, Itália.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

"E aí, como anda a humanidade?"


Imagine uma pessoa que se ausentou do mundo e das notícias que pairam na Terra por pouco mais de um ano e agora decidiu se atualizar.

Abre os noticiários.

Lê sobre como anda a guerra civil na Síria. Se sensibiliza com vídeos de crianças com semblante sério, sobre o qual escorre sangue. Elas estão mais firmes que os seus adultos. Isso preocupa.

Eleições nos Estados Unidos.

Não compreende como um candidato que pautou seus discursos em ódio e segregação racial venceu as eleições na mais influente nação do mundo.

Estupro coletivo.

“Brasil sofre outro Impeachment!”.

Falta de representatividade nos ministérios de Temer.

Falta de representatividade nos ministérios de Trump.

“Sessenta presidiários mortos”.

Pessoas violentadas em razão de suas opções sexuais.

“Massacre em Boate de Orlando”.

Anúncio da decisão pela construção de muro na fronteira entre Estados Unidos e México.

A liberdade de ir e vir intitulada de “bagunça horrível”.

Carro bomba.

Homem bomba.

Bomba!

Nas redes sociais:

“Ninguém mandou sair de casa com essas roupas”.

“Bandido bom, é bandido morto”.

“Leva pra casa! Quero ver quando um menor matar alguém de sua família”.

“AVC é castigo”.

E desligou o computador.

“Por quê?”, se perguntou.

Por quê? Porque o ódio está nas entrelinhas, nos discursos, nas relações. É alimento da infelicidade, do insucesso, da incompreensão. É amigo da preguiça em compreender. Da comodidade de se render ao sentimento primário.

O ódio está em cultivar o “pré-juízo”.

Ódio é passividade. E veja como, e quanto, causa má atividade.

Às vezes é um problema de educação e má instrução.

Às vezes, sim, é mau coração!

O problema é maior quando desse extrato saem líderes de nação. E quando a gente se engana disfarçando uma “revolução”.

As consequências estão aí: milhares de anos de humanidade, mesclando evolução e regressão.

Ou se educa para aniquilar o ódio provindo da má instrução.

Ou a inércia dará força, representatividade e credibilidade para aqueles em que o desvio está no coração.

Letícia Marcati, 30 de janeiro de 2017.

Poetas com talento para música



Somos a Terra da Cajuína, da Carnavália, do samba de uma nota só, da garota de Ipanema e da Maria. Somos a Terra de Caetano, Elis, Chico, Marisa, Vinicius, Tom, Gilberto. 

Somos a terra de poetas com talento para música. 

Somos a terra da diversidade. De gente do mundo inteiro fazendo a gente de um país. E, assim mesmo, somos únicos. Somos nós, brasileiros. Somos a terra não só da Bossa Nova, do Samba, vanerão, baião, choro, maracatu, mas também do funk, do axé, do sertanejo de raíz e do universitário. Somos temporariamente a terra do “deu onda”, fomos a do “camaro amarelo” e do “lepo lepo”. 

Somos diversificados, faz parte e é bonita a nossa pluralidade. Mas, por favor, não se esqueçam dos poetas que tinham talento para música. Eles nos enriquecem a alma. É a nossa cultura em rica prosa e composição. Eles nos elevam, mostram a beleza e nos doutrinam nobremente compartilhando genialidade. 

Que a nossa música seja associada aos poetas que tinham talento para música e pelos que terão.

Letícia Marcati, 08 de janeiro de 2017.

"Saia da casca do ovo", ele disse.


Um dia meu pai me disse que era preciso "sair da casca do ovo". Abracei o recado, sem dar muita importância devido à imaturidade da época. Outro dia ele repetiu isso. E repetiu outra vez. E outra. Ele não dizia isso só para mim. Ele é educador, dizia para o filho dos outros e eu estava ouvindo também. Fiquei com isso na cabeça.

Fui para a faculdade. Cinco anos incríveis de conhecimento (e autoconhecimento) se passaram. E todo ano eu me perguntava onde eu estava? Dentro ou fora do ovo?
Eu achava que sair de lá era ser independente. Não era só isso.

Fui morar em outro país sozinha. Após alguns meses, em complemento à jornada que iniciei na faculdade, comecei a entender.

A casca do ovo consiste na nossa percepção do mundo. Cada um tem a sua, baseada em suas vivências. Sair da casca é olhar a vida de outra perspectiva. É sair de uma casca para, talvez, entrar em outra. É o autoconhecimento e a expansão do olhar. Isso porque a tal casca de ovo, sobre a qual meu pai me alertou, é a aglomeração de nossos medos e inseguranças, mas, sobretudo, o que faz a junção desses elementos e formação da rigidez deste envoltório é a ignorância e o conforto que se sente com aquilo que desconhece. É medo, preconceito e julgamento parcial.

Não é fácil sair de lá. É basicamente um autoatentado. Lutar contra nós mesmos. Contra aquilo que a nossa mente, e seu instinto protetor, um dia achou importante relevar, sobressaltar, preservar, solidificar. Contudo, mesmo sem entender muito bem “porquê” deveria fazer isso, confiei no conselho de meu pai e comecei a martelar minha casca.
Quando se olha para fora percebemos que o mundo só é grande de tamanho. Que as pessoas são iguais em todos os lugares e que é diferente ler isso de perceber isso com os próprios olhos, ouvidos e emoções. É que na verdade as pessoas parecem ser muito diferentes umas das outras quando você não as compreende. E a cultura que as distingue é um fator bloqueador dessa compreensão. Por óbvio, cada um com suas particularidades físicas e emocionais são seres únicos, mas as particularidades são detalhes. Não me refiro a elas. Emergir na cultura alheia, ou ao menos não resistir a ela, abre a porta para se conectar com aquele que “vive em outro mundo”. É o início da empatia. E a casca do ovo é um fator limitante de empatia, pois limita-nos a somente senti-la com aqueles que compartilham das mesmas ou semelhantes dores e inseguranças no material compositor da casca.

Então, quando olhei pela primeira vez fora da minha casquinha eu entendi verdadeiramente a importância da luta pela preservação dos direitos, coisa que em cinco anos na faculdade de direito eu fui preparada para compreender, mas não compreendi de fato. Entendi que sair do conforto e proteção que o desconhecimento, ou ilusão de conhecimento, nos proporciona é entender que o mundo precisa de pessoas empáticas, e conscientes de que a vida aqui é em sociedade, liderando as relações políticas e influenciando os demais a seguir o mesmo caminho. Por quê? Porque no final só há duas finalidades para a casca do ovo: secar ou adubar. Nesta segunda é que ela irá renascer sempre e sempre no fortalecimento da ideia de progresso.

Letícia Marcati, 27 de setembro de 2016.

"Para a morte não há jeito"



Era assim que meu avô paterno costumava nos tranquilizar. Em meio a qualquer situação adversa, olhar de preocupação, mudança de respiração, lá estava ele até os meus dez anos: sereno, olhos brilhando e a frase de sempre, “Calma, Quiquica! Para tudo na vida se tem um jeito, só para a morte não tem”.

Após seu falecimento minha mãe se encarregou do mantra, mesmo quando não preciso, precavidamente, sempre creditando o sogro.
Quando ele se foi, pela primeira vez aprendi que, de fato, com a morte “não tem jeito”. É um fato irreversível.

Eu tinha dez anos, poderia me desesperar diante à vivência da sentença final: finalmente, então, eu poderia me desesperar? Não tinha mais jeito! A morte do meu avô aconteceu! Felizmente, por anos a fio, a serenidade que ele vestia todos os dias preencheu o vazio para a resposta que, com o tempo, veio.

Esses dias, visitando o cemitério de Nottingham, no Reino Unido, perante tantas lápides, nomes, números, retomei essa questão que há muito havia deixado de lado.
Um cemitério é o lugar ideal para entendermos a efemeridade da vida. De todas as vidas. Todos se vão! Conquanto, a reflexão da vez não foi sobre quem vai, mas quem fica.
A morte só é irremediável para quem a sofre!

Para quem fica: a vida cheia de possibilidades, oportunidades, recomeços, superação.
Duvido que dos milhares familiares que ficaram em Nottingham, algum tenha morrido pela saudade de alguém que amava. Ora, se podemos superar esse drástico fim de relacionamento com nossos plenos amores, podemos todo o resto!
Portanto, a sentença que meu avô carregava consigo era muito rica. Ele só queria dizer que tudo passa, nada é forte o bastante para ser insuperável ou perpétuo, basta permanecer na luta, em paz com o tempo, e a vista após a linha de chegada - e o caminho é repleto delas - é para quem tem coragem de seguir em frente.
Ele queria dizer isso e sabiamente preferiu ser poeta e deixar a gente descobrir sozinho. A poesia, porém, estava no olhar e na alma que genuinamente queria nossa paz de espírito. A ternura com que o fez, o fez eterno no meu mundo e no daqueles que tocarei com o mesmo amor.

Em memória de Geraldo Marcati, o doce que eu chamava de “Vô”.

Letícia Marcati, 01 de julho de 2016.

A culpa do estupro coletivo

“Adolescente é vítima de estupro coletivo no Rio de Janeiro”.

Sem exageros, ou dramatização, esse é o reflexo, em letras garrafais, do que estamos cultuando.

Simples: é o ponto em que chegamos.

Para abordar o mínimo, é (e deve ser!): triste. Nefasto. Inaceitável. Calamitoso. Tóxico. Alarmante.

Certamente é fruto de uma cultura sexista, racista, classista, limitada em humanidade e progresso, limitante de direitos! Sociedade intolerante com o banal - sexo, cor, raça, posição social, mas tolerante com potenciais atitudes de lesa-humanidade. 

Não há que se ter sensibilidade apurada para se horrorizar com o fato de uma menor ser drogada, estuprada por trinta (ou mais) homens, humilhada no íntimo - pelo ato em si - e publicamente - pelas gravações de vídeos e imagens enfatizando seus órgãos sexuais sangrando, acompanhada de legendas que demonstram a banalidade do ato na nossa sociedade. As atrocidades desse crime, em específico, são gritantes (e ainda assim temos o desprazer de presenciar observações acerca de seu “comportamento de vítima”, afinal, é mulher, pobre, mora na favela, vítima perfeita da cultura intolerante, classista, opressiva). Difícil, mesmo, é perceber o sexismo nas sutilezas diárias, pois sim, com pesar sua frequência o tornou sutil: nas sutis agressões verbais e gestuais; na - não tão - sutil diferença comportamental; na aceitação da diferença salarial e na de promoção de oportunidades; na ausência de mulher nos Ministérios; dentre tantas muitas outras. 

Nunca houve um bom momento para a marginalização de quem quer que fosse. Portanto, este também não é! Sobretudo, o palco político é o menos adequado para ensaios sexistas, racistas, homofóbicos.

A culpa do estupro coletivo é de todos aqueles que diretamente participaram do ato atroz. Aqueles trinta e poucos que não só não interromperam, como cometeram. Por outro lado, a culpa de uma sociedade intolerante, preconceituosa e sem escrúpulos é de todos nós. Não é só a corrupção que nos corrói. Não é só a isso que temos que rebater. A corrupção necrosa a sociedade. A intolerância, hostilidade, opressão com o outro, além de também devastar o meio social, nos abrevia como humanos.

Letícia Marcati, 29 de maio de 2016.

Fanatismo político: entrave aos ventos de mudanças


Meus olhos veem meu país escrevendo páginas novas em sua história! E jovens e esperançosos enxergam uma possibilidade fértil para melhoras e progresso.     
   
No entanto, como todo complexo livro, as páginas felizes se cruzam constantemente com as infelizes e nem tudo são flores. Haja esforço para enxergá-las, sobretudo nesse momento, no qual encontro-me dividida pela euforia de ver investigações à corrupção caminharem positivamente, bem como “colarinhos brancos” sendo tocados, e pela angustia de assistir o povo nutrir seus protestos com maus, e perigosos, argumentos.
Em síntese, o circo estava armado desde sempre, os bastidores estavam (e ainda estão) a todo vapor, parte da cortina caiu, assistimos o show. O público, que também sujou um pouco a sala, foi embora. É hora da estafante limpeza. Minuciosa! Que não se enganem, há muita sujeira não aparente corroendo o ambiente: que os filhos dessa pátria mãe tão distraída não continuem errando cegos pelos continentes, encerrando, assim, a sugestão de Chico Buarque, em composição datada de 1983, quando o Brasil vivia um cenário – fisicamente - diferente.
Filosofias à parte, além da porca corrupção, há algo muito preocupante e merecedor de atenção: o fanatismo político, ameaçador à possibilidade de melhora e progresso, o qual desponta desvirtuando as manifestações que clamam o fim da impunidade.
Todos nós desejamos ver políticos corruptos serem julgados e condenados. Porém, o tema é demasiadamente sério e importante para ser tratado com ódio, obstinação e sede de “justiça a qualquer custo”, até - e simplesmente - porque “justiça a qualquer custo” não é justiça.
Importante ressaltar que de maneira alguma defende-se a situação, o contrário: luta-se e espera-se pela conclusão bem sucedida de todos os procedimentos inquisitivos e judiciais iniciados. Não obstante, quer se chamar a atenção ao caminho perigoso que se está percorrendo ao associar a corrupção a um único partido. Por Deus, seria ótimo se assim o fosse, suspeito, porém, ser precária tal hipótese! Não vislumbro diferença na índole da situação e da oposição, as exceções que me perdoem pela generalização, e vejo um tombo grande na nossa democracia se o ímpeto que move os protestos não se corrigir: não se deve combater pessoas, deve-se combater a corrupção! A consequência será algemar as mãos sujas e as pessoas que as carregarem.
Que o pleito pelo fim da impunidade dos colarinhos brancos não se motive nas características pessoais dos suspeitos; em não ser aquele no qual votou; na insatisfação com o governo; ou qualquer outro motivo relacionado à pessoa do investigado ou ao grupo que integra. Lembrando-se que é direito de cada um o “não gostar”, isso só não deve ser o fator motivador de protestos de natureza condenatória, pois que perigoso à democracia, além de altamente falho tendo em vista sua superficialidade. A condenação deve advir das barbáries cometidas, dos fatos. E que a regra se aplique a todos que também os cometeram. Do contrário não é justiça, é vingança por mesquinharia.
O que se vê é uma constante justificação dos fins pelos meios, e nem sequer está sendo focada a finalidade boa o bastante. Nesse caso, só restará atentados contra a democracia e todos sairão perdendo.
A sociedade - que idealmente deve ser una - dividida em “times políticos”, ou integrando o “time do ódio”, cegando-se para provar que tinha e tem razão é imaturidade política. Relutar contra opiniões e apontamentos políticos divergentes daqueles que uma vez concebeu é imaturidade democrática. O problema: fechar-se para todo o resto. Esquecer a finalidade boa o bastante: combater a corrupção (e não só a corrupção praticada por fulano).
Que não se trate política como jogo de futebol. Salvo no caso de ser o povo o juiz, numa partida em que os “times políticos” se esforçam para ganhar o respeito de um árbitro que é íntegro e exigente.
Há de ter muito foco e persistência para limpar essa sujeira toda, principalmente pelo fato de que a verdade aparente é só a ponta do iceberg. É difícil sair ileso da imparcialidade que ataca de ambos os lados. Acredito, porém, que basta não macular os discursos com ódio, preconceito, arrogância, prepotência, sentimentos típicos do fanático. Basta simplesmente desejar, clamar e lutar pela justiça, se nutrir em várias fontes de informações e não perder a esperança de vista.
Condenar um corrupto, independente do fator motivador, não será um avanço se vendarmos os olhos para os outros que ficaram atrás da cortina que não caiu, deixando estes criarem raízes e se fortalecer. Seria, apenas, tampar o sol com a peneira. Inócuo, portanto. Afinal, queremos só nadar ou queremos chegar na praia?
Em meio a tanta imundice, já que não se limpa sujeira com pano sujo, que protestemos de forma digna e esperemos que a dignidade do povo atinja os três poderes. Se queremos honradez de nossos representantes, que lutemos por isso de forma honrada também. 
Por fim, apesar de toda essa preocupação, pois embora os tropeços nos ensinem coisas preciosas, em se tratando em tropeços coletivos as marcas são mais difíceis de serem apagadas, mantenho-me esperançosa:  estou lendo páginas inéditas que aumentam o brilho dos meus olhos! Mas insisto: troquem o ódio por amor. Depois, não parem de protestar, jamais!

Letícia Marcati, 10 de março de 2016.

A esperança equilibrista

As discussões nas redes sociais acerca das eleições chamou minha atenção. O notável fanatismo, sem generalizações, me fez parar para pensar em como anda a nossa democracia.

Se hoje podemos ir às urnas e votar, com liberdade, é porque o terreno foi preparado, outrora, resultando no atual regime democrático de direito. É de encher a boca para falar. É um ideal bonito. Só não dá valor quem não sabe o que é não ter liberdade. Não poder se expressar! Imagina? No auge da era das redes sociais, se por um descuido voltássemos algumas páginas da nossa história?

Na ditadura militar de algumas décadas apenas sonharíamos em expor nossa opinião e continuar levando a vida normalmente. Contudo, embora hoje tenhamos total liberdade de manifestar nossos pensamentos, será que estamos livres de censura? Será que conceber uma opinião e defendê-la incondicionalmente, bloqueando o que divergir, é ser livre? Das repressões físicas, sim. Das intelectuais, com pesar, acredito que não.

Parece-me que há uma autocensura, que não precisa de forças externas, bastando a bolha que criamos por nossa prepotência.
Parece-me, também, que política virou jogo de futebol, que partido virou time e, independente de jogar corretamente, será sempre defendido por ser o do coração.

Então penso, para que censura se o povo já faz, em si, o papel do tirano? E age, em si, cegando-se, criando a bolha, pretendendo uma vitória medíocre, não a do melhor, mas a do protegido.
Ter seu candidato eleito não é mais esperança de um país melhor, é grito de vitória! E quando o time cai fora do campeonato, vencer é não eleger o adversário.

Penso. O que é pior? A ditadura externa, com toda aquela gente que partiu, buscando liberdade expressiva ou o facciosismo interno, se expressando efetivamente, sem censuras, mas, também, sem nada a acrescentar, nem nada a infiltrar.

De um lado, a crítica, o desejo de mudança, o olhar de revolução.

Do outro, a crítica, o desejo de mudança, o olhar de ter razão.

Se antes, o governo fechava nossas bocas, hoje, arbitrariamente o povo venda os próprios olhos e tampa seus ouvidos, para o que diverge à sua convicção. Um gesto de imaturidade democrática e, igualmente, política.

Docemente, Elis Regina, cantava: “a esperança dança, na corda bamba de sombrinha e, em cada passo dessa linha, pode se machucar. Azar! A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”.

A minha esperança equilibrista sonha em ver o nosso povo mais democrático, generoso, menos arrogante, expondo ideias com o ímpeto de trocar conhecimento, buscar a evolução, contribuir e receber contribuição. Ela sonha com o acordar do gigante, que esta dentro de cada um, mas que é minimizado pelo preconceito, pelas ideias pré-concebidas e solidificadas nessa fase.

Se a esperança equilibrista de Elis, Chico, Caetano, Angélicas e Zuzus pudessem desejar algo, nesse momento da nossa história, tenho comigo que seria a autocrítica.

Que dia 26 de outubro sejamos críticos com nós mesmos e saibamos, com clareza, o motivo pelo qual caminhamos até as urnas. E, assim, que seja feita a democracia!


Letícia Marcati, 20 de Outubro de 2014.

Ressaca Democrática

No dia 27 de outubro de 2014, acredito que grande parte do Brasil acordou de ressaca. Não somente pela disputa eleitoral, em si, mas principalmente pelo desgaste causado pela guerra da prepotência.

Tão feio quanto clamar a separação entre o Norte e Sul do país, por sinal o protesto mais triste que ouvi, foi provocar a oposição permitindo o choro dos “reaças”. Como se a candidata eleita fosse governar só para aqueles que votaram nela, como se alguém fosse desprezível por exercer o direito que é igual a todos.

Apesar de tudo, essas foram as eleições mais emocionantes que presenciei. E também a mais democrática. Experimentamos o gosto novo da incerteza e espero que ele motive a melhora no governo que se estendeu. O povo, através das redes sociais, movimentou a disputa. Confesso que não assisti as discussões que gostaria. Falta de educação, fanatismo, prepotência e pouca fundamentação sobressaíram. Mas acredito que, como nossa democracia é jovem, o povo está aprendendo, e se adaptando, a caminhar nesse terreno. As atrocidades pronunciadas fazem parte da imaturidade democrática, que somou-se à liberdade de expressão e ao respaldo da falsa segurança proporcionada pela tela do computador. Ainda assim, é válido! Mas que haja progresso! E que não se espere uma democracia digna quando não se sabe respeitar a opinião que diverge.

Em meio ao caos, aqueles que foram serenos, sem ser indiferentes, foram heróis. Algumas rosas “nasceram no asfalto” e trouxeram a serenidade, sensatez e esperança que estava escassa.

No fim, a desagrado de quase metade da população, foi feita a legítima democracia. Que seja respeitada, então! Todavia, importante lembrar que a escolha democrática não está atrelada à inexistência do erro. Em razão de tal possibilidade, fundamental a sua vigília. Porém, numa nação que tomou a disputa presidencial como briga pessoal, necessário se faz maior cautela e discernimento sobre o que de fato está errado ou que simplesmente desagrada por motivos de somenos importância.

No mais, que honremos o rumo escolhido pelo povo, sobretudo através de nossas condutas diárias. Com o tempo, o luto se dispersa, a euforia enfraquece e a vida volta à normalidade. Que na normalidade sejamos dignos do país e dos governantes que gostaríamos de ter. Quem sabe, assim, essa tal de democracia representativa reflita, lá no miolo do Brasil, aquilo que somos, ou passaremos a ser. Que o reflexo, por meio de nossos representantes, seja de brasileiros honestos e honrados. De repente, dessa forma, o “jeitinho brasileiro de ser”, gradual e naturalmente, vá perdendo espaço na representação. Que o asfalto vire jardim e só se enxergue flores. Que o ódio, nos protestos e na votação, dê lugar à propagação do bom exemplo.

Pois que não esperemos uma nova espécie de políticos a surgir, mas que trabalhemos duro na mudança do objeto de reflexão. Afinal, tratando-se de democracia representativa, é provável que tenhamos os governantes que merecemos ter.

Portanto, para que nos orgulhemos do reflexo a brilhar no céu predominantemente azul que envolve a Praça dos Três Poderes no Planalto Central, e demais sedes governamentais, temos que saber que a mudança não pode depender de uma só pessoa! Do povo que assume uma postura honrada é que surgem representantes virtuosos. Afinal, quem é que rege a democracia?

Letícia Marcati, 02 de novembro de 2014.

Vó Elvira


Num sublime instante de uma sexta-feira à tarde, ela suspirou e se foi. Nossa Vó Elvira. A mãe de quatro. A esposa fiel e apaixonada. A amiga da vizinhança. A simplicidade que morou na Rua 24 de Outubro. Não estará na mesa nos próximos domingos nos fazendo morrer de rir, mas viverá em doces lembranças, será a ternura esquentando nossos peitos e nos guiará através de seus exemplos de dignidade, justiça, genuinidade e amor, sendo estes, a meu ver, a herança mais rica que um ser humano pode deixar. Somos gratos a ela pela nobreza do legado que construiu.

Assim como aconteceu com meus dois avôs e minha avó, que também se foram, com o tempo e com a maturidade vamos, gradativamente, compreendendo cada sutil gesto de sabedoria que compartilharam conosco. E, dessa forma, a vida vai ficando cada vez mais bela. Vamos percebendo a grandeza daqueles que nos antecederam, ao mesmo tempo em que nos sentimos honrados por sucedê-los e sermos parecidos com eles.

À minha querida Vó Elvira, a mulher mais forte e determinada que conheci, dedico todo amor que tenho em mim. E agradeço pelo senso de justiça que ela muito ajudou a fomentar em meu interior.

Dedico a todos os meus familiares o que ela tinha de mais lindo: a simplicidade. Que saibamos viver e ser feliz com o essencial. É na beleza da cultivação do necessário, que acontece a magia de ver tudo se tornar esplêndido!

Com amor e gratidão,

Familiares de Elvira Luzivetto Bellini.


Letícia Marcati, 21 de junho de 2014.

Ano novo, Criança velha!



Assustadoramente 2012 está chegando ao fim. Estou amedrontada com a passagem do tempo. Ainda me encontro presa à época em que as horas demoravam a passar. Tenho idade para ser considerada adulta, mas ainda me sinto muito próxima da infância. Bom sinal! Consigo me manter conectada com a criança que fui e vez ou outra a consulto, ela me ajuda a levar uma vida mais leve, divertida e cheia de encantos.

A minha criança é fascinada pelo Papai Noel e todo natal – época preferida - sente que sua essência não mudou! É uma criança sonhadora, não cansa de fazer planos!

Aos 10 anos planejou uma casa na árvore e junto com os amigos engenhou construí-la, desenhou a casa, mas não chegou a fazê-la! Não foi menos feliz por isso, pois logo se ocupou com outro sonho, tão divertido e importante quanto! Sonhou ser musicista, bailarina, skatista, veterinária... Não se tornou, concretamente, nada disso, mas ao sonhar foi modelando sua personalidade.

A criança, já crescida, é um pouco de tudo que sempre quis ser. É fascinada por música, está sempre em busca de adrenalina, ama a natureza, os animais e o contato com eles fazem-na sentir-se em paz.

Hoje vive o sonho de ser advogada! Mas, paralelamente, há tantos outros! Quer conhecer o mundo! Mergulhar em todos os oceanos, ouvir as mais estranhas línguas, ver diferentes rostos, cheiros e climas! Quer viver de amor: pelas pessoas, pela profissão e pela vida!

Vai continuar sendo criança e continuará a sonhar! Entretanto, nunca se acostumará com a passagem do tempo. Ele sempre irá passar mais rápido do que deve!

A minha criança tem a calma de quem vive numa época de longas e inacabáveis horas, portanto estranha a nossa constante pressa. Ela me alerta que, no mundo e no tempo em que vivemos, doar tempo às pessoas é precioso. E também acha curioso como estamos sempre querendo que o futuro seja melhor e, ao mesmo tempo, saudando os tempos passados (maravilhosamente bem vividos). Quando não nos prendemos à saudade do passado, perdemo-nos sonhando com um futuro onde a vida será perfeita. Atentemo-nos à dica do poeta: “o presente é uma dádiva!”. Viva-o bem. E que sejamos hoje tudo o que queremos ser!


Feliz 2013, viva cada dia com tanta vibração e excitação como se fosse o primeiro do ano!

Letícia Marcati, 31 de dezembro de 2012.

A melhor herança: nós!



Se há uma coisa que me desperta a curiosidade e muito me fascina é a capacidade animal de transmitir traços e características, de tal forma que em cada descendente doamos um pouquinho de nós.

Fico feliz quando me falam o quanto pareço com minha mãe. Me é motivo de orgulho carregar a aparência de uma pessoa que fez minha vida e a adoçou com tanta ternura, carinho e amor. Gostaria, inclusive, de ter sugado mais suas características, principalmente no que diz respeito à alegria, à capacidade de ignorar o que chateia e sorrir para tudo. Possui a característica única de não sentir nem guardar rancor. Só sabe amar! Quem diria! Nessa vida também temos que aprender o “não saber”? É fundamental não saber guardar rancor, não saber reclamar, não julgar, nem odiar...

Fisicamente me pareço com a mãe. Basta, porém, me conhecer melhor. Se olhar para dentro de mim, sou feita pelo meu pai. Sou santista e comilona assumida. Dentre outras características, sou intensa como ele! Neste exato momento fazemos a mesma coisa: ele escreve de lá e eu, de cá. Como nos deliciamos com isso! Também gostaria de ter herdado mais: sua inteligência, generosidade, brilhantismo. Meu pai é tanto que, diferente de todos os outros, recebe um nome que resume tudo o que é. É Nino! Um Nino que só nós temos.

É fascinante observar essas heranças. Chego a ficar boba! Minha mãe não se parece tanto com a minha avó na aparência, mas ambas tem o mesmo jeitinho, que me encanta! Meu avô paterno se espalhou nos netos. Fisicamente, está em meu irmão. São iguais da estrutura óssea ao sorriso. Através de meu irmão vejo o Geraldo sorrir e colocar a língua sobre os dentes diariamente. Já em mim ele vive através da música, a qual fez a vida dele feliz e dá sabor à minha! Toda a família se orgulhava ao vê-lo tocar saxofone na banda da cidade. Hoje seu instrumento me pertence. É inevitável não lembra-lo a cada sopro. Ainda guardo sua velha e enferrujada caixinha de palhetas. Se as notas musicais não o trás para dentro de mim, a caixinha não falha!

Minha irmã é um mix. Herdou muita coisa, de muita gente. É atenciosa como os avós, inteligente como o pai, divertida como a mãe, linda com só ela!

O que mais adoro em tudo isso é que me sinto um pouquinho de todo mundo! E no futuro vou poder matar a saudade dos ausentes através dos filhos e sobrinhos que terei. Por hora vou reconhecendo meus criadores em meus irmãos e em mim mesma.

Quando sou doce, sou Vô Geraldo. Quando curiosa, Vô Hélio. Alegre ou atrapalhada, não há duvidas: sou minha mãe! Se faço bolos, minha Vó Lourdes. O fato de repudiar e nem conseguir se quer idealizar desonestidade é porque sou neta da Dona Elvira.

Quando me isolo e fico a sós com meu violão, Geraldo novamente. Às vezes sinto necessidade de sair da cidade, abandonar a tecnologia e os barulhos. Vou pro meio do mato, de bicicleta, e quero subir no topo das montanhas, sentir a brisa e a paz entrar em mim. Da mesma forma, tem dias que preciso nadar no rio, mar ou tomar banho de cachoeira. Quando esses dias chegam, não importa ser inverno, meu corpo pede, respeito e vou. Sou eu, puramente Hélio.

Sou italiana e um pouco portuguesa, mas acima de tudo, brasileira. Foi aqui que meus ascendentes decidiram viver e defendo essa escolha como se minha fosse! No meu patriotismo sou Nino. Sabemos das imperfeições da nossa terra, mas a amamos. E, como todos os que amam, queremos bem a coisa amada. Quando criticamos é bronca de pai e mãe que quer o melhor para o filho. É crítica que convida à revolução, diferente daquela que só quer gerar revolta e mal estar comum.

É assim, cada um carrega em si um pouco daqueles que o antecederam. Entretanto, é na personalidade nova, única do seu ser, e embaralhada aos traços da família que as pessoas se tornam excepcionais, especiais, lindas de todas as maneiras.


Não digo que sou abençoada por ter uma família linda e especial. Não somos interessantes para todos! Digo convicta, “sou abençoada simplesmente por olhar para os meus e achá-los lindos e perfeitos para mim e para o meu crescimento como pessoa”. Se realmente somos tudo isso, pouco importa. Importa haver amor!

Letícia Marcati, 24 de julho de 2012.

Ao Congresso dos Super-Heróis



Acho que todo mundo na infância já passou por esse dilema: “qual “super-poder” você gostaria de possuir?”. Tinha que escolher só um. Era uma escolha difícil. O poder de voar era tentador, assim como ficar invisível, ler pensamentos ou atravessar a parede. Mas, decidida, sempre quis ter o poder do tempo. Quando criança seria o máximo parar o tempo, principalmente nos dias de provas. Ou apressá-lo, quando não via a hora de brincar. Hoje em dia, continuo com a mesma escolha: gostaria de poder controlar o tempo. O que mudou, com a maturidade (esta não suficiente para eu deixar de pensar em “superpoderes”), foram as razões da escolha.

Hoje, porém, eu jamais pensaria em adiantar o tempo. Poderia até descartar esse elemento. Seria suficiente pará-lo e voltá-lo. Eu iria ser uma ótima detentora desse poder, pois não iria utilizá-lo para alterar nada em minha vida, apenas para reviver bons momentos, paralisar outros. Dar “pause” em alguns sorrisos, beijos e abraços. Reviveria qualquer data dos meus sete anos, algumas viagens que fiz e alguns momentos que, mesmo intactos em minha mente, seria ótimo viver novamente, do jeitinho que foi, sem tirar nem acrescentar nada!

Uma vez por mês eu voltaria no tempo. Abraçaria meus avôs, brincaria na rua até meus pés ficarem muito sujos ou minha mãe me chamar falando que "já está muito tarde". Iria para escola, brincar, aprender e ter longos recreios. Brincaria de "lutinha" com meu irmão até eu não aguentar e pedir “penico”. Mancharia minha boca comendo caju pela primeira vez. Beijaria meu papagaio que ficou no meu passado, cujo bico tinha um cheirinho único, de frutas e semente de girassol, os pezinhos, um geladinho gostoso, e os olhos cor de mel, um doce igual ao da sua cor!
Eu iria brincar, pular, correr e gritar como quem sabe que um dia as energias infinitas de criança se acabam.

Quem sabe, após esse texto o congresso dos super-heróis não decide me dar esse poder! Até lá, vou vivendo da melhor maneira que posso, estando sempre onde quero estar, fazendo o que amo e tentando fixar em minha mente mais coisas boas do que ruins, de maneira que os bons momentos fiquem nítidos em minha memória e prontos para me fazerem viajar no tempo quando eu bem entender ou quando cheiros, músicas e gostos me surpreenderem ao me transportarem instantaneamente para alguma época da vida. Quanto aos maus momentos, que eu guarde o aprendizado. E nada mais.

Letícia Marcati, 02 de Julho de 2012.